Reinado do Riso – exposição no Museu do Folclore
Em visita ao Museu Nacional do Folclore e Cultura Popular, no Rio, prestigiei a exposição “Reinado do Riso”, mostra esta que me apresentou uma gama bem maior de elementos grotescos e dos folguedos. Personagens do Pará como os anões cabeçudos do Boi Tinga, ou os Pierros com suas máscaras brancas, além dos kazumbás, homens com cabeças de animais entre outras figuras curiosas, além dos personagens do Mamulengo, representado por 3 dos maiores: Antônio Babau, Solon e Zé Lopes.
No mamulengo há espaço para a bruxa, o político, o policial, o mulherengo, o preto violento, a quenga, a velha, a cobra, todo o universo do povo cabe no brinquedo: Passagens bíblicas, expressões folclóricas, história da vida de algum personagem importante como Lampião ou Zumbi dos Palmares. Podemos fazer cenas de adultério, ou de um empregado sendo contratado, cena da missa, discurso de político ladrão. Em resumo, no Mamulengo cabe tudo que pertence ao povo no que tange a sua pureza e simplicidade.
Em seu ensaio sobre o riso, Bergson assenta o motivo cômico no que ele chama de “o mecânico calcado no vivo”. O risível decorre da percepção de uma rigidez mecânica onde deveria haver flexibilidade e maleabilidade. O efeito cômico é tão mais intenso quanto maior for a justaposição entre o humano e o mecânico. Esse automatismo é encontrado no corpo – no gesto desconjuntado, no andar canhestro,na careta e no cacoete – mas também se faz presente na rigidez de caráter ou de espírito. Devido à rigidez, os tipos cômicos se mostram unifacetados e inadaptados às circunstâncias: o avarento, a mulher promíscua que se passa por casta, o bêbado, o idiota, o marido enganado, entre outros. A rigidez dos tipos risíveis desconsidera qualquer complexidade de caráter, justamente para tipificar a qualidade desejada. Daí o avarento não ser nada além de avarento e o marido enganado permanecer eternamente enganado. Embora o motivo cômico exija a percepção de um automatismo, essa rigidez mecânica deve estar inserida no humano para que surta efeito. Não se ri, por exemplo, de uma máquina, nem de um animal, mas sim de um animal ou de uma máquina “humanizados”, capazes de falar, de adotar comportamentos ou de assumir feições humanas.Inversamente, ri-se também de figuras humanas que exibem traços animais ou mecânicos: andar de pato, bochechas como as de um cão boxer, gesticulação de robô. Bergson sugere que “não há comicidade fora do que é propriamente humano” (1983, p. 7). A junção humano/não-humano totaliza e integra o que é excluído da humanidade. Ao discutir a relação entre o riso e a emoção, Bergson afirma que o cômico exige“ uma certa anestesia momentânea do coração para produzir todo o seu efeito” (1983, p. 8), pois inúmeras situações que provocam o riso poderiam igualmente suscitar piedade ou compaixão. O riso canaliza certo teor agressivo que bloqueia a empatia para com o objeto do motivo cômico. Salientando que“ o maior inimigodo riso é a emoção”. (1983, p. 7), Bergson sustenta que o riso se destina primordialmente ao entendimento e à inteligência. Assim, o motivo cômico jamais é inteiramente desvelado ou explicitado.
Para surtir efeito, ele pressupõe e demanda a participação do outro na decifração do que fica subentendido, velado ou desviado. Nada anula mais o potencial risível do que alguém explicar a piada. Rir com o outro efetiva e confirma entre os interlocutores um elo de entendimento racional que passa ao largo da empatia emocional. Rir com o outro não é apenas uma faceta da comicidade, mas seu próprio fundamento. Bergson comenta que “o riso é sempre o riso de um grupo” (1983, p. 8). Isso significa que o riso é revelador de costumes, ideias e valores compartilhados e, para compreender o motivo cômico, é necessário levar em conta o contexto social concreto em que ele ocorre. Em outras palavras, o cômico se enraíza em solo etnográfico. Daí ser muitas vezes difícil entendermos por que outros grupos riem de algo que, para nós, não tem a menor graça. Se o riso tem uma significação social, os aspectos cômicos remetem à vida em sociedade e a refletem de algum modo.
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