A pedagogia de Paulo Freire
O trabalho de Paulo Freire é reconhecido no mundo todo. E em 2012, ele foi declarado patrono da educação brasileira. Mas desde os anos 1960 até hoje, o professor é visto por uma parcela da população como “inimigo do Brasil”. Qual foi o Brasil de Paulo Freire, e quem foi Paulo Freire para o Brasil? Paulo Freire é pernambucano. Nasceu em 1921, filho de um capitão e de uma dona de casa. Freire, que era caçula, foi o único dos irmãos que se dedicou aos estudos. Se formou em direito, mas trabalhou mesmo como professor.
Ele deu aulas em faculdades. E fez trabalhos pastorais por mais de dez anos na região de Recife por meio da Ação Católica. Em 1947, foi trabalhar na Divisão de Educação e Cultura do recém-criado Sesi. O Serviço Social da Indústria. Foi nesse trabalho que Freire entendeu que o processo educativo era mais eficiente em diálogo com os alunos e suas famílias. Por isso, queria democratizar as escolas da instituição. No anos 1950, o Brasil passava por uma modernização acelerada, com uma rápida industrialização e uma nova experiência de democracia de massas. Paulo Freire defendia que esse processo de desenvolvimento nacional deveria incluir a participação crítica povo. E que isso só seria possível por meio da educação. O educador dizia ser contra um ensino “de cima para baixo”. E defendia o diálogo horizontal entre professor e aluno. Nessa época, o prefeito de Recife e, na sequência, governador de Pernambuco, o progressista Miguel Arraes, convidou Freire para desenvolver um projeto de alfabetização para adultos.
A inspiração para o método que Freire criou veio em um passeio de carro com seu filho mais novo. O menino de apenas 2 anos viu uma propaganda na rua. Ele leu em voz alta a palavra “Nescau” e cantou a música que ouvia nos comerciais. Impressionado, Freire passou a explorar a relação entre som e imagem com exemplos da vida dos alunos. Palavras como “farinha”, “tijolo”, “máquina” e conceitos como “trabalho” e “pobreza” eram contextualizados e debatidos. Com a divisão das sílabas, os estudantes aprendiam a ler cada palavra.
E, em seguida, aprendiam as famílias silábicas para formar novas palavras. O então governador do Rio Grande do Norte, o conservador Aloísio Alves, também chamou Freire. Em 1962, a alfabetização de adultos no estado recebeu recursos de um programa financiado pelos Estados Unidos, chamado “Aliança para o Progresso”. Na cidade de Angicos, Freire realizou seu experimento mais conhecido: a alfabetização de cerca de 300 pessoas em um curso de apenas 40 horas. A velocidade do método de Paulo Freire aliada à educação crítica gerava expectativas de transformação democrática para alguns. E preocupação para outros. Ao longo de sua vida até hoje, Freire foi frequentemente chamado de comunista, apesar de criticar o comunismo e a ortodoxia marxista. Era um socialista cristão, ligado à Teologia da Libertação, tendência progressista da Igreja Católica. No início dos anos 1960, o Brasil viveu um clima de polarização política e crise institucional. Jânio Quadros tinha sido eleito presidente com base conservadora e, após oito meses, renunciou ao cargo.
João Goulart, o vice-presidente, trabalhista, assumiu o poder após um intenso período de disputas. A aula de encerramento de curso em Angicos aconteceu no dia 2 de abril de 1963. O presidente Goulart e o general Castello Branco, comandante do Quarto Exército, estiveram lá e viram de perto os resultados do projeto. Em janeiro de 1964, Goulart decretou a criação do PNA, o Programa Nacional de Alfabetização. Adotou o sistema de Paulo Freire e tinha a missão de alfabetizar 5 milhões de pessoas. Naquela época analfabetos não podiam votar e, em caso de sucesso do programa, o colégio eleitoral cresceria quase 40%. Seu lançamento foi previsto para 13 de maio de 1964, com Freire à frente do projeto. Mas os planos de Jango e Paulo foram frustrados. Em 1º de abril de 1964, os militares deram um golpe de Estado. O general Castello Branco foi empossado como o primeiro presidente da ditadura. O PNA foi extinto. E Paulo Freire foi preso. Ele ficou encarcerado por mais de 70 dias em dois períodos. Em setembro, Paulo estava asilado na embaixada da Bolívia no Rio de Janeiro. E de lá partiu então para La Paz.
Dias depois de chegar lá, a Bolívia também sofreu um golpe militar e Freire novamente deixou o país. Exilado, ele e sua família viveram no Chile, nos Estados Unidos e na Suíça. No Chile, Freire trabalhou para o governo com a educação de camponeses. O “método psicossocial”, como ficou conhecido por lá, foi utilizado em escala nacional. No país, ele também continuou a trabalhar com a Ação Católica em atividades pastorais. Foi lá também que Freire escreveu sua obra mais conhecida, a “Pedagogia do Oprimido”, em 1968. No final desse ano, a ditadura militar brasileira decretou o AI-5, fechou o Congresso Nacional e impôs a censura sobre os meios de comunicação. No Chile, a polarização política aumentava. Freire se antecipou ao golpe militar que viria em 1973. Em 1969, se mudou para os Estados Unidos, onde deu aulas em Harvard. Em 1970, “Pedagogia do Oprimido” foi publicado em inglês e espanhol. A obra só chegou ao Brasil quatro anos depois. Freire foi então para Genebra, na Suíça. Trabalhou por dez anos como consultor do Conselho Mundial de Igrejas e fez viagens a mais de 30 países. Em 1971, liderou a fundação do Idac, o Instituto de Ação Cultural. O Idac promovia campanhas por justiça social na Itália, na Suíça e na África. Em 1975, Freire passou a visitar países como Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola, que haviam recém-declarado independência de Portugal. Por meio do Idac, desenvolveu programas de alfabetização para os contextos locais e defendeu processos de descolonização desses países. O final dos anos 1970 marcaram no Brasil a demanda pela democratização e o retorno dos exilados. A ditadura passava por um processo de abertura política. A Lei de Anistia foi promulgada pelo então presidente, o general Figueiredo, em agosto de 1979. Estavam anistiados todos os exilados e presos políticos, bem como os militares e torturadores. Com a ajuda de Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, Freire e sua família voltaram ao Brasil depois de 15 anos no exílio. O professor passou a dar aulas em universidades como a PUC e a Unicamp. Começou a fazer parte de organizações da sociedade civil e continuou sua produção acadêmica.
Em 1980, ajudou a fundar o PT, o Partido dos Trabalhadores. Quatro anos depois, as marchas pelas “Diretas Já” tomaram as ruas do país. Mas a eleição foi indireta. Tancredo Neves foi escolhido presidente e morreu antes da posse. Em 1985, José Sarney assumiu o poder. Estava acabada a ditadura militar. O ano de 1986 foi um dos mais difíceis na vida da família Freire. Morreu Elza, esposa de Paulo. Ela foi fundamental na carreira do professor. Era pedagoga e esteve ao lado dele desde o período do Sesi lá em Pernambuco.
A história de Paulo Freire é também a história de Paulo e Elza. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal. Nesse ano, políticos de esquerda foram eleitos em diversas capitais pelo Brasil. Em São Paulo, a petista Luiza Erundina venceu e chamou Freire para ser secretário da Educação. Paulo Freire Continuou em atividade até 2 de maio de 1997, quando morreu em decorrência de um ataque cardíaco. Publicou dezenas de livros em vida. Sua obra póstuma é responsabilidade de sua segunda esposa, Nita, com quem se casou em 1988. Paulo Freire recebeu o título de doutor honoris causa em 48 universidades pelo mundo. E foi declarado patrono da educação em 2012. Em 2018, Jair Bolsonaro foi eleito presidente, embalado por uma onda de extrema direita no Brasil. A obra de Freire passou a ser um dos principais alvos desse movimento. “Pedagogia do Oprimido” foi traduzido em mais de 20 idiomas. Era a terceira obra mais citada no mundo na área de humanas, segundo um estudo da London School of Economics de 2016. E até hoje, Freire é considerado por especialistas um dos principais educadores da humanidade.
