mamulengo-mestre-solon

Mamulengo de Mestre Solon

Este artigo detalha a vida e o legado de Mestre Solon Alves de Mendonça (1920–1987), um dos mais importantes representantes da arte do Mamulengo no Brasil, e fornece o contexto histórico e cultural dessa forma de teatro popular de bonecos.

O Mamulengo: Contexto e Reconhecimento

O Mamulengo é o nome dado em Pernambuco ao teatro popular de bonecos praticado no Nordeste brasileiro. Em outras regiões, essa arte é conhecida como João Redondo (Rio Grande do Norte), Babau (Paraíba) e Cassimiro Coco (Ceará e partes do Piauí e Maranhão). O espetáculo ocorre em um pequeno palco (chamado de “barraca,” “impanada,” “torda,” ou “tenda”), e pode envolver bonecos de luva ou de vareta.
Embora seja impossível datar as primeiras manifestações do teatro de bonecos no Brasil, pois não há documentação a respeito, supõe-se que ele tenha chegado com os primeiros exploradores, visto que a Europa vivia o auge do teatro de marionetes na época da colonização. A primeira notícia sobre sua prática no país data do século XVIII. Inicialmente, o teatro de bonecos era usado pela Igreja Católica para difundir o espírito religioso, possivelmente na forma de Presépio, representando o nascimento de Jesus Cristo. Posteriormente, as peças passaram a representar cenas da Bíblia e, por fim, fatos do dia a dia.
A origem do nome “mamulengo” é controversa, mas uma versão aponta que derivou de “mão molenga” (mão mole), ideal para dar vida ao fantoche. Em 2015, o Mamulengo foi reconhecido pelo IPHAN como Patrimônio Cultural do Brasil. Pernambuco é destacado como o único estado onde se pode acompanhar com mais precisão a história do desenvolvimento do teatro de bonecos no Brasil.

A Trajetória de Mestre Solon

Mestre Solon nasceu em 25 de fevereiro de 1920, em Feira Nova. Sua fascinação pelo mamulengo começou aos 8 anos, em 1928, em Carpina, quando assistiu a uma apresentação de Chico Presepeiro (também conhecido como Chico da Guia). Ele relata ter ficado “hipnotizado,” pensando que os bonecos eram vivos.
Em 1937, Solon fundou seu próprio mamulengo, o Mamulengo Invenção Brasileira, em Carpina.
Diversificação e Retorno
Com o surgimento de novos meios de entretenimento (como rádio e televisão), o mamulengo passou por crises. Durante esse período, Solon diversificou suas atividades: fez parte de uma companhia de teatro, fundou uma sociedade recreativa, montou um caboclinho e um cavalo-marinho, e chegou a ser Velho de pastoril e palhaço de circo. Ele também foi fundamental no Carnaval de Carpina, co-fundando a Escola de Samba Estudantes de Santo Antônio (E.S.E.S.A.) em 1966, e posteriormente criando a escola de samba infantil Nova Geração na década de 1970.
Ele reativou o Invenção Brasileira quando a manifestação folclórica voltou a ser valorizada por turistas e órgãos governamentais.

O Trabalho de Artesão e Artista

Solon era responsável por criar seus próprios bonecos e as histórias, confeccionando 120 personagens diferentes para suas 25 histórias. Sua esposa, Maria Dolores, era responsável por costurar as roupas dos bonecos. Ele também se destacou na produção de bonecos movidos mecanicamente para reproduzir cenas da realidade nordestina, como casas de farinha e grupos de cangaceiros. Solon enfatizava que o verdadeiro artesanato é feito à mão, com carinho e amor, usando matéria-prima da região, e não com máquinas.
Em suas apresentações, que percorreram o Brasil e tiveram reconhecimento no exterior (Portugal, China, EUA), ele levava alegria, mas também fazia críticas sociais, denunciando injustiças.
A estrutura funcional do Invenção Brasileira incluía quatro instrumenteiros (sanfoneiro, triangueiro, bombeiro e pandeirista). O sanfoneiro frequentemente interpretava o Mateus, personagem que atua como intermediário entre os bonecos e o público. Mestre Solon, em algumas ocasiões, falava por quatro vozes diferentes.
Eventos e Homenagens
Mestre Solon participou de inúmeros eventos importantes, incluindo o I e II Encontro de Mamulengos do Nordeste em Natal (1976 e 1977), a IV Exposição de Artesanato Folclórico em Brasília (1979), o Festival Internacional de Bonecos no Maranhão (1983), e a XXIII Feira da Providência no Rio de Janeiro (1983). Em 1985, ele fez uma temporada em Minas Gerais, apresentando o Invenção Brasileira, expondo 105 bonecos e ministrando cursos de artesanato.
Ele foi agraciado com a Medalha do Mérito da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) em 1984 e recebeu o troféu “Homenagem à Cultura Viva de Pernambuco” da FUNDARPE no mesmo ano.

A Filosofia e o Sonho do Telescópio

Solon se considerava um “brasileiro feliz”, e chegou a escrever um rascunho de livro com esse título, no qual defendia que “a felicidade são momento[s], tem que ser respeitada e colhido com carinho”. Apesar de não ser rico em dinheiro, ele se dizia “milionário em liberdade e saúde”.
Ele manifestou um fascínio pelas estrelas desde a infância. Certa vez, em meio a dificuldades financeiras (“maré estava braba”), ele fez uma promessa e, sentindo que os astros o ajudaram, comprou um telescópio por 56 mil cruzeiros. Seu objetivo era instalar o telescópio nas praças de Carpina para que a população também pudesse ver a lua e as estrelas, cumprindo sua missão de levar para a cidade o que as pessoas desconheciam.
Morte e Legado Póstumo
Mestre Solon morreu em 7 de julho de 1987, em Brasília, vítima de atropelamento, quando participava da Feira dos Estados. Representantes da cultura, como Mário Souto Maior e Maximiano Campos, lamentaram sua perda, reconhecendo-o como um dos maiores símbolos da resistência da cultura popular.
Apesar de seu legado, o Centro Cultural Mestre Solon, inaugurado em Carpina em 2009 para homenageá-lo e abrigar trabalhos de artistas locais, foi extinto anos depois.
Em 2017, para garantir a valorização de sua obra, sua filha, Marly Sarandão, doou o acervo completo de Mestre Solon para o Museu do Mamulengo – Espaço Tiridá, em Olinda. O museu recebeu mais de 100 peças, tornando-se o maior detentor do acervo do mamulengueiro no Brasil. O material doado inclui bonecos, instrumentos musicais, cartazes, fotografias, prêmios e estandartes.

As Peças e o Personagem Simão

As fontes incluem transcrições de peças de Mamulengo de Mestre Solon, centradas em personagens como Simão, um empregado. As peças, presentes em seu livro inédito Um Brasileiro Feliz, utilizam o linguajar regional e abordam temas sociais e humorísticos:
A Cena dos Cangaceiros: Dona Quitéria e Simão estão em uma festa familiar quando são interrompidos pelos cangaceiros Curisco e Jararacá. Simão, após ser ameaçado de morte, usa um ardil (dizendo que vai pedir a bênção à mãe) para surpreender e espancar os cangaceiros com um porrete, pondo fim à violência.
A Passagem de Simão e Sua Mãe: Uma cena cômica onde Simão tenta conversar com sua mãe (que ele chama de “véia burra sendera” e “véia moca” por ser surda). O diálogo se torna uma disputa física pelo cacete, e Simão interage com o público enquanto a mãe, que diz ter voltado de Portugal com Dom Pedro I, tenta repreendê-lo.
A Passagem de Simão e o Patrão: Simão é entrevistado pelo Patrão, Capitão Raimundo Rodoleiro Pinta Cédula. Simão demonstra uma falta de interesse em trabalhar, mas uma obsessão em receber benefícios (férias, fundo de garantia, décimo terceiro e aumento) antes mesmo de começar. Ele recusa a trabalhar de sexta a segunda, alegando compromissos religiosos, a aima e macumba. A cena termina com Simão paquerando a Patroa, declarando que fica “de graça” se ela for bonita.

Posts Similares